/governosp
Memorial da Resistência
Largo General Osório, 66Santa Ifigênia, São Paulo, SPTelefone: 55 11 3335-5910Entrada GratuitaAberto de quarta a segunda (fechado às terças), das 10h às 18hfaleconosco@memorialdaresistenciasp.org.br
Título: Entrevista com Darci Toshiko Miyaki
Descrição: A entrevistada relatou sua origem e a vivência no ceio de uma família de orientação burguesa, analisando as influências externas que a levaram a se aproximar da política e de uma ideologia com orientação de esquerda. Sobre sua trajetória de militância partidária junto ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), retomou o período em que foi estudante da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em meio a um clima político e cultural efervescente. Após o racha interno do Partido, aderiu ao Agrupamento Comunista que deu origem à Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella. Vivendo no CRUSP, passou a ser perseguida pela polícia política, tornando-se clandestina. Em 1969, foi enviada a Cuba e a Coréia do Norte para realizar treinamento militar a fim de servir ao 2º Exército da ALN. Ao deixar Cuba, cumpriu tarefas no exterior e testemunhou fatos que reafirmam a atuação cooperativa entre a repressão dos países do Cone Sul. De volta ao Brasil, passou a atuar no setor de inteligência da ALN e foi morar em um aparelho vinculado a organização. Compartilhou as memórias de quando foi capturada pelos agentes do DOI-Codi em uma operação no Rio de Janeiro em 1972 e sobre sua estada no DOI-Codi de São Paulo onde permaneceu sequestrada por sete meses. A respeito desta fase, descreveu em detalhes à estrutura física do DOI-Codi/SP e seu funcionamento interno, fornecendo importantes dados à descrição deste lugar de memória. Refletiu ainda sobre os métodos de tortura, analisados por ela como métodos científicos e sobre o sofrimento contínuo e patológico das famílias dos mortos e desaparecidos. Nesse sentido, abordou suas próprias sequelas psicológicas, além da debilidade física acarretada pelas torturas. Com relação aos atos de solidariedade, relembrou a atuação dos intelectuais estrangeiros, a solidariedade internacional e o papel pioneiro das mulheres e da igreja na luta pela Anistia e na busca pelo esclarecimento das mortes e desaparecimentos.
Título: Entrevista com Chizuo Osava
Descrição: Chizuo Osava desenvolveu sua militância através do contato com cineclubes e dos livros de sociologia, preconizando uma trajetória mais individual de formação política. Até que em 1968 foi recrutado por dirigentes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) a fazer parte organização. Capturado em 27 de fevereiro de 1970 após um acidente automobilístico, foi preso em São Paulo, passando pelo Deops/SP e pelos DOI-Codi/SP. Sua soltura deu-se em 14 de março do mesmo ano, através da negociação em troca da liberdade do cônsul japonês que fora sequestrado por sua organização. Após passagem pelo México, seguiu exilado em Cuba onde realizou novo treinamento de guerrilha dirigido pela VPR. Atendendo à pauta da entrevista realizada no âmbito da exposição “Futebol F.C. – O futebol da ditadura”, falou sobre a relação estabelecida entre os militantes de esquerda com quem conviveu e o futebol, entendido por muitos enquanto instrumento político usado a favor da ditadura. Embora não tenha tido acesso à transmissão dos jogos durante a Copa de 1970, pessoalmente não torceu contra o Brasil, pois via o futebol como um esporte de considerável valor pedagógico, pois estimula o senso de coletividade, além de ser extremamente popular pela influência das torcidas. Além disso, afirmou que da mesma forma como o futebol foi usado pela ditadura, outros setores também foram manipulados: como os programas sociais, o sistema de ensino, etc., compreendendo que, via de regra, o autoritarismo de Estado sempre busca a dominação dos símbolos populares para se aproximar das massas.
Título: Entrevista com Takao Amano
Descrição: O entrevistado versou sobre os componentes intrínsecos ao seu cotidiano que o levaram a tomar consciência política e engajar-se. Segundo análise de Takao, a realidade social da comunidade de São Miguel Paulista, marcada pela exploração do trabalho operário, a experiência de movimentação política no Ensino Secundarista e a ação política desenvolvida por parte da Igreja Católica atuante em sua comunidade, fizeram-no despertar politicamente. Filiou-se então, a juventude do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ingressou na Faculdade de Direito da USP, onde estabeleceu contato com membros da Dissidência Estudantil. No ano de 1966, integrou-se ao Agrupamento Comunista de São Paulo conduzido por Carlos Marighella e Joaquim da Câmara Ferreira e que pouco depois deu origem à Ação Libertadora Nacional (ALN). Como membro de um Grupo Tático Armado (GTA), Takao participou de diversas ações de guerrilha urbana conciliando, até 1968, a luta armada e a participação no Movimento Estudantil. Sua prisão ocorreu no dia 23 de setembro de 1969 na região dos Jardins em São Paulo ao lado de Carlos Lichtsztejn. Baleado, foi levado para o DOI-Codi/SP onde passou por sessões de tortura, que se seguiram no Hospital Militar do Cambuci. Seguiu então para o Deops/SP onde foi fichado e mantido até fevereiro de 1970. A respeito desta passagem, destacou a solidariedade entre os presos e os traumas deixados pela experiência de tortura, a insalubridade e o sofrimento alheio cotidianamente assistido. Sobre sua ida para o Tiradentes, relembrou a experiência de organização coletiva em prol de melhores condições para os presos. Após o período de prisão no Carandiru, foi solto em acordo de troca pela liberdade do embaixador suíço sequestrado. Seguiu para o exílio, onde permaneceu por oito anos transitando por diversos países. Concluiu seu testemunho refletindo sobre os aprendizados obtidos ao longo dos anos de luta e resistência e fez um balanço dos erros e acertos expressos pela juventude combativa dos anos 1960/70 da qual, integralmente fez parte.
Título: Entrevista com Maria Aparecida Costa Cantal
Descrição: A entrevistada narrou seu processo de aproximação com a política através do Movimento Estudantil até sua adesão à luta armada. Definiu sua entrada na Faculdade de Direito do Largo São Francisco como um divisor de águas pelo despertar político após integração à Juventude Universitária Católica (JUC) e pelo estimulo político e cultural. Com o decreto do Ato Institucional n. 5 e o fechamento das arestas legais, Cida e muitos outros companheiros optaram pelo movimento de luta armada. Nesse sentido, refletiu sobre seu processo de entrada na Ação Libertadora Nacional (ALN), até conquistar participação em um Grupo Tático Armado (GTA) da organização. Em meados de 1969, em meio às sucessivas quedas da ALN e assassinato do líder Carlos Marighella, Cida foi presa no Rio de Janeiro. Nesse sentido, tratou sobre enfrentamento do processo de queda e seus desdobramentos a longo prazo. Entregue ao DOI-Codi/RJ pelo estudante de Direito Octavio Moreira Junior, foi em seguida levada para o DOI-Codi/SP. Após um mês, foi transferida para o Deops/SP, a respeito de onde descreveu o espaço físico e o sentimento constante de incerteza no que estava porvir. Segundo relatou, a transferência para o Presídio Tiradentes possibilitou que começasse a se reerguer após o trauma gerado pelas torturas, relembrando a experiência de convívio fraterno entre os presos e as formas diversas de resistência atrás das grades. Cida, que também esteve presa no Presídio do Hipódromo e na Penitenciaria Feminina da Capital, compartilhou suas memórias relativas a cada um destes espaços carcerários. Quanto à participação de sua família durante o período de prisão, relembrou a troca de correspondências e a importância desta ação. Por fim, constatou que retornar ao prédio do extinto Deops/SP, embora fisicamente modificado, representa um forte reencontro com seu passado possibilitando um mergulho mais profundo em suas memórias para a construção do presente testemunho.
Título: Entrevista coletiva com Lúcia Maria Salvia Coelho; Sérgio Salvia Coelho
Descrição: Lucia narrou o contexto de militância e prisão vividas ao lado de seu marido Ruy Coelho, que era, à época, vice-diretor da Faculdade de Filosofia da USP, enquanto Lúcia lecionava na Faculdade de Medicina da mesma Universidade. Levados para o DOI-Codi, relatou que foram submetidos a interrogatórios e torturas. Depois de ter recebido a visita de um advogado que defendera seu marido, Lúcia foi encaminhada para o Deops/SP, onde teve seu processo de prisão formalizado. Sua trajetória de cárcere foi concluída no Presídio Tiradentes, onde prestou voluntariamente auxílio psicológico aos presos comuns. A entrevistada discorreu sobre os processos de interrogatório, o cotidiano na prisão, a solidariedade entre as companheiras de cela, e sobre as visitas que recebia de seus filhos nos cárceres onde esteve presa. Neste ponto, seu filho, Sérgio Coelho, que também participou da entrevista, fez algumas análises pessoais sobre a experiência de visita aos pais presos, e como ele, ainda criança, lidou com a situação de prisão dos pais. Por fim, abordou como se deu o exílio na França vivido por toda a família, tangendo as dificuldades com a língua, o estranhamento cultural, o preconceito social enfrentado, entre outros aspectos frutos desta experiência.
Título: Entrevista com Artur Machado Scavone
Descrição: Scavone iniciou sua militância em 1967 durante o Ensino Secundarista, envolvendo-se com o Movimento Estudantil e a UEE. Em 1969, como estudante de Física da USP, enfrentou o recrudescimento da repressão, elevando sua militância a um nível de maior comprometimento. Segundo análise do entrevistado, no contexto vivido, a politização era quase inevitável e o clima de repressão e violência cobrava da juventude um posicionamento claro. Assumiu primeiramente o comando estudantil da Ação Libertadora Nacional (ALN) e em 1970, como clandestino, passou a integrar ações de guerrilha urbana. Nesse sentido, refletiu os objetivos da luta armada e o aumento da violência em função da repercussão das ações na imprensa. Sua prisão se deu em 24 de fevereiro de 1972 como membro do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), organização a qual aderiu após desligar-se da ALN. Nesta ocasião, foi baleado por agentes da repressão e conduzido ao DOI-Codi/SP, onde permaneceu preso por nove meses. A respeito desta fase, descreveu os espaços internos do DOI-Codi/SP, a prática recorrente de tortura, relembrou os companheiros mortos e desaparecidos e os traumas decorrentes desta experiência. Ainda sobre o período de cárcere, relatou a vivência no Presídio Tiradentes com destaque para a intensa mobilização política entre os companheiros presos e as conquistas efetivadas após a greve de fome da qual participou. Sobre a ida para o Presídio do Barro Branco, relembrou o ambiente de descompressão política e a conquista de uma maior autonomia na gestão e organização da rotina. Quando finalmente seguiu para o Carandiru, após rápida passagem pelo Deops/SP, cumpriu sua pena que redundou em cinco anos de encarceramento. Após deixar a prisão, envolveu-se com o movimento pela anistia, passou a trabalhar como ilustrador em um jornal de oposição e filiou-se a partidos de esquerda. Concluiu, por fim, que o grande drama da juventude atual é não ter um paradigma ou um modelo de sociedade justo e igualitário para se pautar e falou sobre as consequências da não superação do ódio de classes no Brasil que legitimam o uso da violência e opressão e em diversos níveis e esferas da vida pública.
Título: Entrevista com Neusa Ferreira de Sousa
Descrição: A entrevistada relatou a experiência compartilhada ao lado de seu falecido marido Domingos Simões, na ocasião do XXX Congresso da UNE, realizado no sítio Murundu na região de Ibiúna, no interior de São Paulo e que pertencia à família. Em outubro de 1968, por intermédio de Therezinha Zerbini, Frei Tito e estudantes engajados na luta contra a ditadura civil-militar, o casal cedeu o sítio para a realização clandestina do XXX Congresso da UNE, alojando aproximadamente 900 estudantes em dependências improvisadas. Segundo Neusa, a oferta do local só foi aceita após avaliação de alguns especialistas que fizeram o levantamento topográfico e estudaram o lugar e suas vias de saída. Neusa, que colaborou com seu marido providenciando os suprimentos básicos de alimentação para os participantes, descreveu a rotina de produção do evento e os espaços físicos ocupados. Até que no dia 12 de outubro de 1968, após 18 dias de Congresso e enfrentando dificuldades estruturais e logísticas, a repressão descobriu o endereço, prendendo todos os congressistas com base na Lei de Segurança Nacional. O casal conseguiu fugir e viveu na clandestinidade por dois anos até serem presos em fins de 1970. Neusa foi levada para o DOI-Codi/SP com suas filhas menores e Domingos Simões cumpriu quase um ano de pena passando pelo Deops/SP e Presídio Tiradentes. Concluiu seu testemunho, refletindo suas expectativas para o futuro político do Brasil.
Título: Entrevista com Aldo da Silva Arantes
Descrição: O entrevistado versou sobre sua trajetória na militância política com ênfase na luta desenvolvida contra a ditadura civil-militar no Brasil. Com experiência de liderança dentro do Movimento Estudantil desde o início da década de 1960 e à frente de importantes movimentos sociais como a formação do CPC da UNE e a UNE Volante, Aldo colaborou com a formação da Ação Popular (AP), organização de esquerda ligada à Igreja Católica. Com a deflagração do golpe, a perseguição política contra Aldo, Dodora (sua então esposa) e Herbert de Souza (Betinho) se intensificou, obrigando-os a se exilarem. Ao regressar clandestinamente para o país, Aldo deu continuidade à sua militância desenvolvendo trabalhos de base no interior do Alagoas, conforme desígnios da AP até que em 1968 foi preso, bem como sua então esposa e seus dois filhos. Após seis meses detido, Aldo conseguiu fugir da prisão e seguiu para São Paulo, onde retomou a atividade política através do PCdoB. Durante reunião clandestina da cúpula executiva do Partido para avaliação interna dos encaminhamentos da Guerrilha do Araguaia, Aldo foi novamente preso no episódio que ficou conhecido como Massacre da Casa da Lapa. Na entrevista, a Casa da Lapa ganha destaque enquanto lugar de memória descrito pelo entrevistado, que analisa o episódio e narra os desdobramentos do fato. Neste processo, Aldo passou pelo Deops/SP, Presídio do Hipódromo e Presídio Romão Gomes, cumprindo mais de três anos de prisão. A respeito desta fase, relatou o cotidiano vivido em cada um dos cárceres e as condições precárias de sobrevivência enfrentadas. Por fim, versou sobre a importância do trabalho de preservação da memória e de que se estabeleçam punições legais para os crimes de lesa-humanidade cometidos na ditadura.
Título: Alceri Maria Gomes da Silva
Descrição: Nascida no Rio Grande do Sul em 25 de maio de 1943, Alceri Maria Gomes da Silva era a quarta filha de uma família de sete mulheres. Mudou-se para Canoas (RS) com sua família, onde estudou até o segundo grau, trabalhou na fábrica Michelletto e começou a participar do movimento operário, filiando-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Em 1º de maio de 1969, participou da encenação da peça “Pedro Pedreiro”, uma adaptação da música do compositor Chico Buarque. Todos os que participaram foram presos posteriormente. Em setembro do mesmo ano, realizou uma visita a sua família na cidade de Cachoeira do Sul para comunicar que estava se mudando para São Paulo, para se engajar na luta contra a ditadura militar. Morreu aos 27 anos de idade, no dia 17 de maio de 1970 em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado. Existem algumas informações acerca das possíveis causas de sua morte, entre elas, um jornalista afirmou que Alceri teria sido atingida pelas costas em uma emboscada do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do estado de São Paulo. Outra versão foi construída a partir dos depoimentos de presos políticos de São Paulo, segundo os quais, a morte de Alceri Oliveira foi orquestrada e concretizada por agentes da Operação Bandeirante (Oban), que invadiram sua casa e os executaram sumariamente. De acordo com um relatório assinado pelo então comandante do DOI-CODI, major Carlos Alberto Brilhante Ustra, uma equipe do Destacamento foi designada a se dirigir ao “aparelho” em que estavam Alceri e Antônio dos Três Reis Oliveira para prendê-los. Ao chegar ao local, os agentes teriam realizado uma revista minuciosa e teriam encontrado um alçapão onde os dois estavam escondidos. Ao serem descobertos, teriam atirado na direção dos agentes do DOI-CODI, que os mataram em seguida. Em depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, divulgado em 8 de dezembro de 2010, o tenente-coronel Maurício Lopes Lima, que foi chefe de buscas da Oban, afirmou que estava presente na operação que resultou na morte de Alceri e Antônio, porém responsabilizou a equipe chefiada pelo capitão Francisco Antônio Coutinho e Silva pelas execuções. Ele ressaltou que teria sido informado sobre um alçapão existente no “aparelho” onde estavam Antônio e Alceri e que, ao tentar abri-lo, teria sido ferido por Antônio. Confirmou ainda que Antônio teria morrido em confronto com os policiais e que Alceri morreria logo a seguir, a caminho do hospital. A morte de Alceri foi comunicada aos seus familiares pelo detetive da Delegacia de Polícia de Canoas, conhecido como “Dois Dedos”, que na ocasião, ameaçou a família de Alceri: caso fizessem algo para desvendar a morte da militante, também seriam mortos.
Título: Alex de Paula Xavier Pereira
Descrição: Nascido no Rio de Janeiro em 9 de agosto de 1949, Alex de Paula Xavier Pereira era filho de militantes comunistas e ingressou, ainda jovem, no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Integrou a Ação Libertadora Nacional (ALN) desde a sua fundação e também atuava no movimento estudantil. Em 1970, foi para Cuba fazer treinamento de guerrilha. A foto de seu rosto apareceu em diversos cartazes distribuídos pelo país, com o título “Terroristas Procurados”. Tornou-se chefe de um Grupo Tático Armado da ALN, passou a viver na clandestinidade e respondeu, à revelia, a alguns processos na Justiça Militar. Alex de Paula foi morto sob tortura no dia 20 de janeiro de 1972, junto de seu companheiro de militância da Ação Libertadora Nacional (ALN), Gelson Reicher, por agentes do DOI-CODI do II Exército. A nota oficial fornecida pelos órgãos de segurança foi divulgada pela imprensa dois dias depois com a versão de que Alex e Gelson teriam sido mortos em confronto armado com as forças de segurança do Estado. O trabalho de desvendamento das circunstâncias que culminaram nas mortes de Alex e Gelson ganhou impulso, contraditoriamente, a partir da nota distribuída à imprensa, em que havia a informação dos codinomes que os dois militantes utilizavam na clandestinidade. Foi com esses nomes que os agentes do Estado registraram a entrada dos corpos de Alex e Gelson no Instituto Médico Legal; Alex Xavier como “João Maria de Freitas” e Gelson Reicher como “Emiliano Sessa”. Com esses nomes falsos, enterraram os dois militantes como indigentes no Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP). Desde a divulgação da nota oficial comunicando a morte de Alex e, sobretudo, a partir da descoberta de seus restos mortais em 1979, seus familiares questionavam o fato de que, apesar de conhecer a identidade de Alex, os órgãos de segurança o sepultaram como indigente e com nome falso, para impedir o acesso ao seu corpo. Além disso, com a abertura de documentos do DOPS/SP em 1992, foram localizadas fotos dos corpos de Alex e Gelson, demonstrando a visível presença de inúmeros hematomas e escoriações. Para avançar na elucidação das circunstâncias de morte dos militantes, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos encaminhou a cópia das fotografias encontradas para elaboração de um laudo e parecer. O laudo, elaborado pelo doutor Nelson Massini, em 6 de março de 1996, atestou que Alex Xavier foi morto sob tortura. Em 24 de fevereiro de 2014, a CNV realizou um laudo pericial sobre a morte de Alex de Paula Xavier Pereira. As análises comparativas entre o laudo de necropsia realizado no IML de São Paulo em 1972 pelos legistas Issac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini, além do laudo produzido por Nelson Massini em 1996, revelaram incontornáveis contradições. De acordo com o laudo da CNV, as lesões a tiros no corpo de Alex Xavier eram incompatíveis com as lesões que pessoas mortas em tiroteio apresentariam. A versão que foi apresentada para a morte de Alex de Paula Xavier Pereira consistiria em mais um exemplo das farsas montadas por agentes da repressão para encobrir ações ilegais.
Título: Alexander José Ibsen Voerões
Descrição: Alexander José Ibsen Voerões, filho de pai húngaro e mãe chilena, nasceu no dia 5 de julho de 1952, em Santiago de Chile. Sua família mudou-se para o Brasil ainda em agosto de 1952. Tendo concluído o ginasial no Colégio Campos Salles em São Paulo, ganhou uma bolsa de estudo integral no Centro de Estudos Filo-Juris para candidatar-se ao curso de Biologia da Universidade de São Paulo no ano de 1970. Nessa época começou a militância política na Ação Libertadora Nacional (ALN) e, posteriormente, ingressou no Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi um dos organizadores do XXX Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna, tendo sido detido nesta ocasião. Morreu em 27 de fevereiro 1972 aos 19 anos. Desde o ano de 1971, Alexander já estava sendo perseguido devido o envolvimento na luta contra a ditadura e com seu ingresso na Molipo. Segundo a versão divulgada pela repressão, Alexander e seu companheiro de militância, Lauriberto José Reyes teriam sido mortos em tiroteio com policiais. Nesta situação, um morador do local, Napoleão Felipe Biscaldi, também teria sido atingido pelas balas e morrido. Em nota do jornal Folha de S.Paulo, de 29 de fevereiro de 1972, os militantes foram responsabilizados pelo tiro que levou Napoleão à morte. Alexander e Lauriberto foram examinados pelos legistas Isaac Abramovitc e Walter Sayeg, que confirmaram as versões sobre as mortes decorrentes de confronto armado. Nas requisições de exame ao Instituto Médico-Legal de São Paulo (IML/SP), solicitadas pelo DOPS/SP, há a letra T manuscrita, uma estratégia utilizada na época para indicar que se tratava de corpos de militantes, chamados de terroristas pelos órgãos da repressão. Passados mais de 40 anos, investigações sobre esse episódio revelaram a existência de vários elementos que permitem apontar que a versão divulgada à época não se sustenta. Apesar de resultar em violenta ação policial, não foi realizada à época nenhuma perícia que permitisse a comprovação do suposto tiroteio. Ao examinar os documentos do caso, a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) considerou as mortes dos militantes como um caso de execução. No período de investigações da CEMDP, a comissão visitou o local do crime para levantar informações sobre o caso com os moradores da região. A execução dos militantes foi vista por toda a vizinhança e nos depoimentos foram recolhidas informações de que já havia sido preparada uma emboscada para os militantes que, conforme contam, teriam tentado fugir, mas não estavam armados, nem teriam reagido.
Título: Alexandre Vannucchi Leme
Descrição: Nascido em Sorocaba em 1950, Alexandre era filho de professores e estudante de 4º ano de Geologia na Universidade de São Paulo (USP). Conhecido como Minhoca, Alexandre era representante dos estudantes na Congregação do Instituto de Geociências e militava na ALN à época de sua prisão. Foi visto pela última vez em 15 de março quando assistia a suas aulas. Foi preso por volta das 11 horas do dia seguinte, 16 de março de 1973, por agentes do DOI-CODI/SP. Sua prisão ocorreu no marco de um inquérito policial instaurado nesse órgão “para apurar as atividades subversivas da ALN, nesta capital, no qual se envolve Alexandre Vannucchi Leme”, segundo consta do Ofício nº 503/73-GD, do DOPS. No dia seguinte à sua prisão, Alexandre teria morrido em decorrência das feridas causadas por atropelamento de um caminhão. Em nota publicada pelo jornal O Globo em 1° de abril de 1973, no dia 17 de março Alexandre teria declarado um encontro, às 11 horas, com um companheiro no cruzamento das ruas Bresser com Celso Garcia, no Brás. Levado para o local, Alexandre teria entrado em um bar, enquanto os agentes aguardavam à distância. Depois de beber, o militante teria saído “em desabalada carreira, aproveitando-se de que o semáforo, recém-aberto, ainda permitia uma passagem arriscada”, momento em que teria sido atingido por um caminhão Mercedes Benz. As reais circunstâncias de morte de Alexandre foram esclarecidas pelos depoimentos de nove presos políticos na 1ª Auditoria Militar, em julho de 1973. Segundo as declarações, Alexandre foi torturado nos dias 16 e 17 de março por duas equipes do DOI-CODI/SP. Ao meio dia de 17 de março, Alexandre foi jogado na cela-forte e por volta das 17h, o carcereiro foi buscá-lo para uma nova sessão, quando descobriu que estava morto. As celas próximas àquela ocupada pelo militante foram evacuadas e o corpo ensanguentado, retirado. Os policiais informaram aos presos que Alexandre teria se suicidado com lâmina de barbear. Em depoimento prestado à CNV em 21 de novembro de 2012, Marival Chaves Dias do Canto, ex- servidor do DOI-CODI/II Exército na época em que Vannucchi esteve preso, admitiu que ele foi morto nas dependências daquele órgão. Ao ser questionado se foi suicídio ou suposto suicídio, Marival respondeu: “Suposto suicídio. [...] O Vannucchi, a história que contam no DOI é que ele foi levado para a enfermaria, para fazer um curativo, se apossou de uma gilete e cortou o pulso, essa é a versão, mas isso não é verdadeiro. Essas pessoas morreram todas no pau de arara, todas sob interrogatório.” Em 12 de dezembro de 2013, a 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, em sentença proferida pela juíza Renata Mota Maciel Madeira, a retificação da causa de morte de Alexandre Vannucchi Leme. De acordo com a decisão da magistrada, na certidão de óbito de Alexandre devia constar que sua morte decorreu de lesões provocadas por tortura.